Imagens de violência letal entre civis apontam desafios para políticas de igualdade racial e saúde mental de usuários das redes sociais
Por Mariana Gomes
Na mesma semana em que o Brasil chocou-se com o assassinato do estudante congolês Moïse Kabagambe, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ), o sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, assassina seu vizinho negro, Durval Teófilo Filho, na mesma cidade. As imagens da violência letal, com pano de fundo do racismo e outras discriminações, reverberam nas redes sociais ao lado de outras agressões no cotidiano. Em Manaus, um jovem negro, entregador por aplicativo, é agredido por um homem branco que recusou-se a pagar a conta no ato da entrega.
Ao passo que os debates de letalidade policial avançam na história recente, sobretudo após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos em 2020, nos episódios brasileiros chama a atenção a violência racial cometida por civis, em situações do cotidiano: cobrar o pagamento do trabalho prestado, chegar em casa, entregar uma encomenda.
Diante do formato de propagação de postagens nas redes sociais, a repercussão nas plataformas desemboca na programação de jornais de todo país. Para o pesquisador Cássio Santana, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia, o caso de George Floyd é emblemático.
“Com a circulação massiva das horrendas imagens do crime, houve manifestações por todo mundo e a pauta antirracista ganhou uma visibilidade poucas vezes vista, o que fez com que diversas empresas e até governos repensasse suas políticas”, explica Santana em entrevista para a Conexão Malunga.
Em 2020, a organização de direitos digitais Safernet recebeu 764 casos de denúncias de discurso de ódio, 62% em língua portuguesa. Entre os casos de racismo denunciados em 2020, despontam as páginas do Globo.com, Yahoo.com e Uol.com.br. Já de xenofobia no mesmo ano, lidera o Globo.com. Cássio Santana, destaca que a mudança na cobertura jornalística não significa aliança para o enfrentamento ao racismo.
“Por conta de movimentos de resistência antirracistas em várias frentes e fatores políticos, desde o aumento de manifestações contra violência policial e racismo à recente valoração da população negra, em termos representativos-econômico-eleitorais, os meios de comunicação, taticamente, foram, de certa forma, levados ampliar a gama de interpretações para a cobertura de casos de violência contra negros e negras”, argumenta o pesquisador.
#REPERCUSSÕES
Por meio da hashtag #JustiçaPorMoise foram mobilizadas até o fechamento desta matéria cerca de 11 mil publicações só no Instagram. Dentre elas, postagens que organizaram protestos em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife. Do outro lado da denúncia, a repetição de imagens de violência racial, está nos insensibilizando ainda mais?
Na opinião do economista e especialista em administração pública, Elias de Oliveira Sampaio, a resposta é sim. “Não há como dissociar essa violência entre civis a política atual do governo. A partir das redes sociais e de falas formais é uma incitação ao ódio de pessoas contra pessoas”.
As mortes causada por ações racistas fora do braço do estado, como o linchamento, são práticas históricas em sociedades marcadas pelo sistema escravagista. Ao mesmo tempo, a dinâmica das plataformas de redes sociais dificultam a propagação de conteúdos feito por pessoas não-brancas em todo o mundo através do racismo algorítmico.
O Safernet identificou um auge de denúncias de discurso de ódio na internet de novembro de 2020 a janeiro de 2021. No ano passado, a organização registrou 719 casos ao todo, 56% sendo em língua portuguesa. Nos casos de racismo, o Tik Tok aparece em primeiro lugar.
No caso do cenário brasileiro, mais do que as imagens, as repetidas agressões e as mortes provocadas por racismo e xenofobia no cotidiano levantam um desafio para o campo das políticas públicas. Como proposta de atender os familiares de Moïse Kabagambe, a prefeitura do Rio de Janeiro fez um projeto de memorial no quiosque de praia Tropicália, em que aconteceu o assassinato. Segundo o jornal Estado de S. Paulo a família recusou, com medo de retaliações. A prefeitura voltou a insistir no projeto.
Para o economista entrevistado pela Conexão Malunga, a proposta do governo do Rio de Janeiro evidencia o racismo institucional. “Racismo institucional é o fracasso negativo das instituições em tratar as pessoas de acordo com sua raça/cor, origem étnica. Isso deixa claro como a prefeitura do Rio, assim como outras fracassam. Uma instituição num país multicultural como o nosso, não pode se dar ao luxo de fracassar em tratar os diferentes de forma diferente, de equidade.” explica Sampaio.
Saúde mental e redes sociais
Além dos desafios para as políticas públicas de promoção da igualdade racial, a exposição a denúncias de racismo impacta a saúde mental, sobretudo de pessoas racializadas. Um estudo feito na Universidade Fordham, em Nova York (EUA), com 407 adolescentes indígenas, negros, sul e leste-asiáticos e latinos aponta para os reflexos do uso de redes sociais no bem estar, durante a pandemia de Covid-19.
A maioria dos entrevistados afirma que postam e compartilham links, imagens, notícias e histórias pessoais relacionados a questões raciais nas mídias sociais. 94% dos adolescentes presenciaram algum tipo de discriminação racial. No total, 79% deles foram alvos diretos de casos de racismo na Internet. No levantamento, adolescentes negros são atacados com mais frequência que os outros grupos.
Para os pesquisadores, “a extensão da vulnerabilidade para discriminação racial nas mídias sociais entre adolescentes negros é específica a um aumento de preconceitos raciais emergentes durante a Covid-19 e movimentos de justiça racial, ou são indicativo de tendências de longo prazo”.
O estudo alocado no Departamento de Psicologia e do Centro para Éticas educacionais de Fordham, foi realizado entre o outono e o inverno estadunidenses, que acontecem entre setembro e fevereiro de todos os anos, de 2020 a 2021.
Os estudantes entrevistados usam as redes sociais ao menos 5 dias por semana. A pesquisa identifica que quanto maior o número de horas nas mídias sociais, maior a expressão de sintomas depressivos, de ansiedade e de uso de substâncias psicoativas.